Expectativa X Realidade: Você não é menos mãe por não amamentar

Ser mãe é o sonho de muitas mulheres, um ideal com uma preparação que se inicia desde as brincadeiras de boneca. O momento do nascimento do bebê é algo mágico, e se tornar mãe faz parte de todo um processo de revisão da sua relação familiar, uma etapa da vida da mulher, que deixa de ser filha, para ser mãe e que neste caminho, desenvolve um amor indescritível e inexplicável.

Por outro lado, o modelo de “maternidade perfeita”, com aquela cena da família sempre feliz, com os filhos arrumadinhos e comportados, mães e pais radiantes e uma casa toda organizada é cada vez mais incomum. A maternidade perfeita se mostrou um caminho inalcançável, e nesse trajeto muitas pessoas acabam se desgastando e se frustrando a espera de um ideal de maternidade cuja expectativa é, em geral, que seja natural e instintivo.

A amamentação constitui uma das características fundamentais desta “maternidade perfeita” e até mesmo da maternagem (termo que define o cuidado prático necessário e ideal da mãe com o bebê). Amamentar faz parte de uma cultura milenar, possui muito embasamento científico a seu favor: sabe-se que o leite materno é o melhor alimento que o bebê pode receber, ele é capaz de imunizá-lo e garantir um bom desenvolvimento na infância. Na amamentação, a mãe supre outras necessidades do recém-nascido como: a troca de calor, a proteção física, a continência, o fortalecimento do vínculo. Tudo isso é instigado também pelas políticas públicas de incentivo ao aleitamento, que iniciaram-se no Brasil, em 1981 através do Programa de Incentivo ao Aleitamento Materno (PIAM), e veio tomando força através de programas de atenção à saúde materno infantil como: Iniciativa Hospital amigo da criança; Método Mãe Canguru e fortalecimento da Rede Nacional de Bancos de Leite Humano que possuem em seu protocolo de intervenção práticas de incentivo ao aleitamento materno.

Sustentados por todo o exposto acima, atualmente, dificilmente alguma mãe não quer amamentar. A grande maioria das mães quer e quer muito! Porém, saber de todos os benefícios e querer não é suficiente. É preciso apoio, ajuda e suporte para conseguir tornar a amamentação uma realidade. E ainda assim, em algumas vezes não ocorrerá.

Este imaginário materno, somado a outros aspectos psicológicos que cada mulher carrega consigo através de sua história, leva muitas mães a buscar na maternidade uma satisfação absoluta e uma expectativa inalcançável. Além de estar no imaginário da mãe, estas ideias estão presentes nas práticas da equipe de saúde e no imaginário dos familiares e amigos que acabam, em alguns momentos, mesmo que não intencionalmente, magoando a mãe, configurando-se como um dos instigadores da instalação e manutenção de sentimentos negativos, culpa e dificuldades emocionais. Porém, não amamentar não torna nenhuma mãe menos mãe.

A verdade é que, mesmo que tudo corra aparentemente bem, a mãe vive um momento delicado, sente dores físicas e emocionais, dentre elas: não amamentar, o que dói! Desmamar, o que dói, também! Dói para o bebê é dói para a mãe. Vem o sentimento de culpa, de insegurança e incapacidade… Que não é tão simples e nem culpa da mãe. Por algum motivo o bebê acabou desmamando cedo. Se existe alguma culpa no processo todo, acredite, ela não é sua.

Só a mãe sabe as dificuldades e problemas que ela passou. O quanto ela gostaria de amamentar mais. O quanto ela passou noites chorando porque seu bebê queria cada vez menos o peito e ela sentia que tinha cada vez menos leite. Muitas são as mães que sofrem caladas, vendo o seu leite secar, chorando com dores ao amamentar, ou mesmo não sabendo o que fazer, pois o bebê está chorando sem parar e ela acha que está passando fome (o que de fato pode ser).

As mães relatam: “Não é fácil cuidar de um filho, ter parto normal, amamentar exclusivamente, trabalhar sem culpa, voltar ao corpo de antes, manter um casamento feliz com nenê em casa. Antes de apontar o dedo, lembre-se: mães, principalmente as de primeira viagem, precisam muito de apoio, e não de julgamento”.

Apesar da dor, existem outras estratégias que substituem tudo o que você pode dar ao seu bebê: outros leites/alimentos; o colo; o brincar, o cuidar; proteger; amparar. E você terá a vida toda para isso. Você não precisa ser uma “mãe perfeita”. Você precisa ser uma “mãe suficientemente boa”.

O conceito da “mãe suficientemente boa” foi apresentado pela primeira vez pelo pediatra e psicanalista inglês Donald Winnicott, também defensor do brincar como meio terapêutico para as crianças. Sua teoria sugere que quando a mãe tenta ser perfeita acaba sofrendo mais do que deveria, pois suas expectativas acabam sendo frustradas.

O processo de se tornar uma mãe suficiente acontece ao longo do tempo e encontrando a suficiência, as mães também encontrarão a tranquilidade na maternidade.

Tentamos estar disponível constantemente e responder imediatamente nossos filhos quando eles são bebês e isso é importante para que eles se sintam seguros e amados. Mas também dá a sensação ao bebê de que a mãe é uma extensão sua e que é ela quem supre suas necessidades. Quando a mãe mostra ao filho que cada um é uma pessoa, isso gera uma frustração natural na criança. A mãe suficientemente boa é aquela que frustra o filho ao mostrar que ele não terá seus desejos atendidos imediatamente, mas que também mostra que existe um tempo de espera e um limite e que ele não é sua extensão. Fazendo isso com a criança ainda pequena, a mãe está ajudando a se tornar uma pessoa resiliente.

A mãe suficiente consegue dar um significado positivo para a falha porque ela sabe que pode tentar de novo. Portanto, nem assim a culpa deixará de existir, mas o sentimento de ter falhado pode ganhar um novo significado, cada vez mais leve.

Os pais, figuras significativas deste contexto, tão responsáveis pela criação dos filhos quanto as mães, também sentem o peso da cobrança pela perfeição e a culpa. A diferença está na intensidade do sentimento. Porém, o pai assume papel fundamental neste processo. A função do pai, além de uma participação ativa na vida dos filhos, é também de promover segurança emocional para a mãe, para que ela tenha confiança em sua maternidade.

Amamentar é muito mais que dar o leite do peito para a criança. Segundo Winnicott: Um bebê pode ser alimentado sem amor, mas um manejo desamoroso e impessoal, fracassa em fazer do indivíduo uma criança humana, nova e autônoma. Onde há confiança e fidedignidade, há um espaço em potencial.

Existirão, a cada dia, milhares de oportunidades além da amamentação de você ser uma mãe suficientemente boa. Você pode amamentar e ser uma mãe suficientemente boa e você pode não amamentar e ser uma mãe suficientemente boa. Segundo Klauss e Kennell: Cada dia de mãe e filho é único e tem suas próprias necessidades individuais. Então viva intensamente cada dia como único, confie em você! Se sofrer, não sofra sozinha. Busque ajuda e sobretudo entenda: Você não é menos mãe por não amamentar!

 

Ana Paula Zancanaro Socha

PSICÓLOGA

CRP/SC 12/04768